22 April 2008

Máquina do tempo

Abraço o peluche. Fecho os olhos, respiro fundo...
...e de repente estou outra vez na esplanada. A saia-calção cinzenta descobre-me o joelho quando cruzo as pernas. Combina com a cor do peluche, que sobressai contra a camisola branca. Ainda não o larguei desde que mo deste, há uma hora. Estou sentada à espera que voltes, nem me lembro bem de onde. Estranhamente, não me lembro exactamente quando foi que tudo isto aconteceu, mas lembro-me da roupa que tinha vestida. Talvez porque não me lembro de voltar a vestir aquela saia, nem sei bem porquê. Sei que estava um dia cinzento, mas não chovia - o meu casaco cinzento não é impermeável. Voltaste. Há conversas à nossa volta, estás a falar com o João, mas é tudo ruído de fundo. O cinzento do lápis destaca-se no branco da página, no poema em cima da mesa colorida. Escrevi-o esta manhã, sentada aqui a tomar café. Cheguei cedo, como de costume. Sentei-me a saborear o momento, os minutos de paz antes de o dia começar realmente, e o poema saiu. Pousei o lápis e fiquei a olhar o vazio, até que o teu andar característico o preencheu. Vi-te lá ao fundo, sorri, e fiquei a admirar-te enquanto caminhavas na minha direcção. Beijaste-me, e ia a abraçar-te quando puseste algo entre nós.
- Que é isto?
- Que é que te parece? É um embrulho.
- Sim, isso vejo eu. Mas...
- É para ti.
- Mas... eu não faço anos, e hoje não é nenhuma data especial...
- Pensava que já te tinha dito que não ligo a números e datas, ligo a momentos.
- Sim, quando eu liguei de mais... - Baixei o olhar, mas tive que o levantar quando me respondeste:
- Como estás a fazer agora, em vez de pegares nisto?
- OK, OK, afinal o que é?
- Abre e vê.
- Oh... Obrigada! É tão fofo... Amo-te, sabias?
- Bah, só dizes isso porque eu te dou peluches queridos.
Normalmente, responder-te-ia com o típico "Mongo!", mas optei por calar-te com um beijo abraçado, e ficámos os dois a sorrir, em pé ao lado da mesa.

Já sentados, olhaste o peluche:
- É para teres alguém para abraçar, quando não estou contigo.
Sentei-me ao teu colo - sempre fomos assim poupados em cadeiras - e ficámos assim os três. Os meus braços à volta do peluche apoiado no meu colo, e os teus por cima dos meus, à minha volta. Em silêncio, porque contigo o silêncio não é incómodo nem estranho, é partilhado... Até que alguém chegou, e começámos na conversa, e tu foste, e voltaste, e... reparei agora no poema, cinza no branco ainda em cima da mesa. Com a surpresa esqueci-me, ainda nem to dei! Agora no meio do resto do pessoal também não dá; fecho a capa para ninguém o ler sem querer. Encosto-me na cadeira, com as pernas a roçar as tuas. A conversa continua à minha volta, mas sem dar por isso desliguei... O meu corpo está presente, mas o pensamento está difuso numa nuvem de felicidade...

Aprecio o cinzento do dia, nem preto nem branco. Mais indefinido, mas mais complexo e mais rico por isso... Aperto o abraço ao peluche, e deixo-me estar, algures entre o passado e o futuro, no cinzento da mistura das memórias e das esperanças... E aprecio a beleza do cinzento da minha vida...
... Não quero abrir os olhos no negro da noite, e ver o branco do lençol onde não estás...

14 April 2008

Writers' block

Estou sentada em frente de um ecrã em branco, a querer escrever a continuação de uma história de amor. Sei como começar o capítulo, mas não como pode acabar. E não consigo deixar-me levar. Já comecei “n” vezes, mas só me vêm à mente passagens saudosas e enredos vazios, que não encaixam com este momento da história, alegre.

Tu não estás aqui. Ou melhor, eu não estou aí. E, de momento, queria tanto estar no mesmo sítio que tu... não só fisicamente, mas psicologicamente, a nível de entusiasmo. Nunca te vi tão empenhado numa coisa como estás nesse curso, nunca te senti tão feliz com o que estás a fazer, e sinceramente... invejo-te isso, porque acho que nunca me senti assim, em termos de carreira. É bom sentir-te assim, entusiasmado, e queria estar mais perto para me poderes contagiar. Procuro inspiração em todos os momentos lindos que me deixaste na memória, mas quando começo a escrever as palavras ganham vida própria e fogem para situações em que só está um, com saudades do outro.

Talvez devesse pegar por aí, mas esta história vive de diálogos, e é difícil ter um diálogo com uma personagem sozinha... Só se começar com um re-encontro... Já que não consigo (ou não me chega) reviver momentos passados, talvez me faça bem projectar sentimentos futuros...