24 February 2008

Malabarismos

Deixei-me cair para trás, mergulhando a cabeça outra vez. Não tanto para me proteger do frio do vento, mas para ter mais uns segundos... Mais uns segundos de frio, sal e silêncio... Senti-o entrar na água, mas deixei-me estar mais um instante de costas. Respirei fundo, e ia a virar-me quando senti os salpicos.
- Hah! Falhaste! - Virei-me a sorrir.
- Queres guerra, é?
- Deves pensar que me metes medo!
- Pois devia... Hei!
- Não estavas à espera de um aviso por escrito, pois não?
- Ah ele é assim? - Desviei a cara. Enquanto tentava ripostar, pelo canto do olho dei por ele a aproximar-se. Comecei a bater os pés; levantei tanta espuma que deixei de o ver.
- Hei! Isso não vale! Agarrar é batota!
- Quem disse? Respira fundo.
- Olha que eu faço-te cócegas!
- Não digas que não avisei! - Voltei à superfície com uma gargalhada; ele também se estava a rir. Ficámos assim um bocado, até os nossos olhares se cruzarem. Desviei o meu, mergulhei a cabeça, passei a mão pela cara para não me pingar sal para os olhos. Abraçou-me por trás, com os braços por cima dos meus. Pôs um dedo no meu queixo e virou-me a cara até estar a olhá-lo nos olhos.
- Há bocado estava a gozar.
- Eu sei... - Sabia que era um meio-sorriso, mas não dava para mais.
- Mas...
Respirei fundo, apertei-lhe o braço com a mão.
- Mas... preferias que não o tivesse dito, mesmo na brincadeira?
- Não sei... Não... Quer dizer... Gosto de ter este à-vontade contigo... e... é bom sentir que podias gostar de mim
- Eu gosto de ti.
- Sabes que não é isso! O que eu quero dizer é que é bom... fazeres-me sentir "apetecível"- riu-se quando formei as aspas com os dedos - ... percebes?
- Pensei que agora que tens namorado te tivesse passado essa mania.
- Qual mania?
- Essa mania de te sub-estimares, e de te mandares abaixo.
- Ei, eu não me estou a mandar abaixo, 'tou só a dizer que sabe bem sentir que me consideras assim... Faz-me bem ao ego... - Desviei outra vez o olhar, encostei a nuca no peito dele, olhos no infinito. Desta vez, deixou-me estar.
- Mas...
- Mas estou feliz com ele, é a primeira pessoa além de ti que me faz sentir assim... especial. E, sim, de momento é o amor da minha vida, e... não vos quero sentir a competir.
- E não é bom teres rapazes a competir por ti? Não te faz bem ao ego?
- Não... não estes rapazes... são demasiado importantes... Não me quero sentir dividida, nem ter que fazer malabarismos... Quero apreciar o que tenho. Poder estar aqui contigo, e poder voltar para casa feliz, e dar cabo de outra mola do sofá
- Vocês não têm cama?
- E fazer-te cócegas, quando dizes disparates desses, e rir-me com ele... Tem um bom sentido de humor, acho que vocês se iam dar bem.
- Hei, eu já há bocado te disse que começo a gostar dele sem sequer o conhecer... Claro que quero conhecer quem te põe assim feliz! - Agarrei-lhe os braços e virei-me de frente para ele:
- Só há um problema. - Foi a vez dele ficar sério:
- Então?
- Então que depois fico tramada: juntam-se os dois a gozar comigo!
Atirei-lhe água para a cara, corri pela rebentação e ao longo da areia molhada, com o vento a acariciar-me a cara e o cabelo molhado a bater-me no pescoço...
... Espero que possa ser sempre assim...

13 February 2008

Um lugar sossegado...

"Mas agora [...], só queria apoiar a cabeça no seu ombro e pedir-lhe que me protegesse, como supostamente fazem os homens com as mulheres quando as amam."
Isabel Allende, A soma dos dias

Desaparecer,
fundir-me em ti
Deixar-me envolver
sem pensar no que perdi
nem no que vou ter

Afundar-me,
com os teus braços à minha volta
O teu corpo a amparar-me
agora que estou solta

O compasso do teu coração no meu ouvido,
dominas-me os sentidos
e fazes-me parar
para te respirar.
E deixas-te estar,
em silêncio, todo o tempo que preciso
Como uma pele
vais-me aconchegando,
substituindo a armadura
encardida que vou largando.

7 February 2008

Insonia Inocente

A música rebenta-me nos ouvidos,

não costumo ouvi-la tão alto.

Mas hoje apetece-me sobrecarregar os sentidos,

sentir o ritmo num salto

Ter a música a envolver-me...

Apaguei a luz

Mais uma vez não consigo dormir

Mas hoje estranhamente não me chateia

Fones nos ouvidos, perdida no sentir

desta paz que me rodeia

Balanço ao ritmo de cada canção

fisicamente e na emoção.

Está em aleatório,

a tocar tudo o que tenho:

Cada nota inicial faz surgir uma imagem

neste filme mudo,

sem legendagem.

Os meus lábios formam cada letra,

E nem tenho de me lembrar

que não posso cantar

Porque o estou a fazer,

mas para dentro,

onde tem mais poder.

6 February 2008

Sexto Sentido

Saber "instintivamente" quando o outro precisa de espaço. Saber sair e andar até deixar de pensar, em vez de ficar a remoer e provocar a discussão.

Saber quando o outro precisa de um abraço, ou de um aperto na mão, sem ninguém ver.

Saber ter conversas que ninguém ouve, por gestos que mais ninguém vê.

Ter as palavras certas na ponta da língua sem ter que pensar, como remédio pronto a dispensar.

Adivinhar as reacções, antecipá-las e deixá-las vir, porque são inevitáveis. E fazer tudo para ampliar as boas, dançando na sombra da felicidade do outro. E abrir os braços às más, recebê-las e dividir o peso, ou simplesmente trazer o conforto do que vai estar sempre lá.

Conhecer o outro melhor do que ele próprio se conhece, e admirá-lo por quem é. Sem julgar, sabendo que tudo o que ia mudar já mudou, e que é inútil lutar contra o que ficou. E sentir orgulho por nos ter escolhido. Orgulho em quem nos faz sentir. Orgulho e uma gratidão imensa por tudo. Tudo o que conseguimos, tudo por que passámos, tudo o que criámos, tudo o que ultrapassámos - tudo o que somos e vivemos.

Saber de cor os sorrisos, os tiques e os gestos, e ter os dotes mágicos de os fazer surgir do nada.

Completar as frases do outro, dar palavras à frustração indescritível, à fúria impotente e à felicidade emudecedora.

E ouvir os silêncios, entender as palavras que não são ditas, até as que não chegam a ser articuladas em pensamento.

Acalentar a cumplicidade natural e espontânea que surge da convivência e da empatia.

Ainda não estamos lá, mas já estivemos bem mais longe, e parece-me que estamos no bom caminho. Até (ou sobretudo) porque não parecemos ter precisado fazer grande esforço.

Dêem-nos mais uns anos... Até porque ainda há pouco foi dia 2... ;)