Não sei até que ponto te apercebeste do quão importante foi a tua amizade numa altura turbulenta da minha vida. Em parte, porque nunca te falei desses tumultos. Nunca senti necessidade; não eram para ali chamados. Porque contigo estava noutro mundo, longe desses reboliços da escola. Num mundo de saltos, treino, competição, mayllots... mas também de bom-senso, pedagogia, aprendizagem... Na frente da carrinha do clube, enquanto o pessoal dormia ou brincava lá atrás, discutíamos as atitudes dos outros treinadores e ginastas quase tanto como a execução e dificuldade das séries que levavam a prova, ou as pontuações.
Nem tudo eram rosas. Houve alturas em que me levaste aos arames, e me tiraste do sério – e informei-te disso alto e bom som, com os gritos e as lágrimas que me saem em momentos de profunda irritação. Agora que penso nisso, deve ter havido momentos em que te fiz desesperar, também, quando um medo infundado me impedia de fazer o que querias, ou de tentar sequer.
Apesar disso – ou talvez em parte por causa disso – ajudaste-me a arranjar estratégias para ultrapassar os nervos – ou melhor, para os canalizar de forma útil, como aprendemos juntos que era preferível. Deste-me um lugar seguro, onde ser eu própria. Reconheceste a minha dedicação, e a minha ligação a alguns dos miúdos, e puseste-a a uso para o bem de todos os envolvidos. Davas-me boleia na tua mota uma vez por semana para que pudesse ter mais um treino, e nunca gozaste comigo quando no Inverno – e por insistência da minha mãe – levava vestido o fato de mota que tinha sido do meu pai, e que me ficava comicamente grande.
Acima de tudo, e apesar de me conheceres desde os meus 10 anos, e de me teres visto crescer, apercebeste-te de que tinha crescido, e a certa altura começaste a tratar-me de igual para igual. Passámos a ser amigos. Ensinaste-me muita coisa, mas sobretudo deste-me espaço para ser confiante. Na altura não o sabíamos, mas estávamos a criar memórias que provavelmente vão ficar comigo o resto da vida, e ser reavivadas sempre que vejo um dos poucos filmes que tenho de campeonatos e saraus. Emoções que são reavivadas quando vejo os trampolins nos olímpicos, na TV... Sim, que deixei de saltar há anos, mas ainda sonho regularmente com os trampolins... e acho que em parte isso também é culpa tua!